Sessão de Cinema CURTAS PREMIADAS INDIELISBOA 2023
29 de Junho | 22h
Zona Freixo
Suddenly TV (Roopa Gogineni)
Grande Prémio de Curta-Metragem
Uma revolução no Sudão é duplamente filmada: pela câmara imaginária de quem entrevista, e pela câmara documental da realizadora do documentário que vemos. Em ambas se reflete a urgência da violência do regime.
Uma televisão de cartão, fabricada por um grupo de jovens, entra em campo para captar testemunhos num protesto em Cartum, capital do Sudão. O espírito é festivo, os manifestantes concentram-se na cidade vindos de todo o país, a revolta está no ar e o povo clama a sua legítima liberdade. Afirma-se uma necessidade de uma revolução do pensamento, de uma revolução artística, pela voz de jovens mulheres, homens e adultos, a energia contagiante faz-se em uníssono. Cartazes homenageiam os mártires, projectam-se imagens dos ataques, resiste-se sem medo, erguem-se vozes, braços, grita-se revolução, mesmo que espreitem novas investidas militares o povo não desiste. (Carlota Gonçalves)
A Minha Raiva é Underground (Francisca Antunes)
Prémio Novíssimos + Prémio MUTIM:
Uma narrativa contada na primeira pessoa em que o espaço e o som trabalham na reconstrução de uma ligação com o corpo que se perdeu.
“Esta história é minha, mas não é. É da cidade que a esconde e que permite que aconteça.” Esta história começa com uma rotunda, desenhada a preto sobre o branco do papel, num estúdio escuro e seguro. As linhas, as curvas, as esquinas e as rotundas materializam a história do trauma. Elas desenham os contornos da cidade que lhe tirou o corpo à força e onde conseguiu reconstruí-lo. Num dispositivo envolvente, a realizadora, mulher, queer, livra um testemunho raro e vibrante, à primeira pessoa. (Catherine Boutaud)
Hotel Kalura (Sophie Koko Gate)
Prémio Melhor Curta de Animação da Competição Internacional
Uma mulher encontra alguém que lhe acende o cigarro e assim começa uma noite romântica, em ácidos.
Tudo é lúbrico no universo animado de Sophie Koko Gate. Aqui não há um dedo que não se enterre algures, um lábio que não seja mordido ou uma concavidade do corpo que fique por festejar. A realizadora já é conhecida do festival, desde que em 2019 exibimos a curta Slug Life na secção Boca do Inferno. Mas neste seu novo filme, toda a sensualidade do seu trabalho é aprimorada e concentrada. Os volumes de carne e fluidos com que se constroem os seus personagens, decompõem-se em grandes planos de pele, pêlos e muco. E todos os códigos de génerosão mesclados e recombinados: a escala, a gravidade, o falo, os seios, a ejaculação…A possibilidade de um encontro de almas acende um desejo que, literalmente, põe o mundo a arder. Tudo por um sorriso – como já acontecia em Half Wet (2014), um dos seus primeiros filmes. (Ricardo Vieira Lisboa)
The Diamond (Vedran Rupic)
Prémio do Público Curta-Metragem
O Stefan precisa de amigos. E nada como um pouco de herpes labial para mostrar que é uma pessoa sociável. Quando isso não resulta, embarca num plano para arranjar dinheiro, e depois amigos. Ao deparar-se com um diamante ao qual não consegue chegar, vai precisar de ajuda de alguém com capacidades muito específicas.
Stefan finge ter herpes devido ao enorme componente social dos herpes, mas Stefan continua sem amigos. Ao ver televisão percebe que é fácil ter amigos se formos ricos. Ele não é rico portanto não tem amigos. Faz sentido!! Okay, entáo, o primeiro passo é fingir que se é rico, algo que parece não estar a funcionar. Se ao menos Stefan fosse rico…Olha, um diamante! Pena estar num buraco impossível de alcançar. Talvez Stefan consiga chegar ao diamante se conhecer alguém tão especial quanto ele. (Rui Mendes)
House of the Wickedest Man in the World (Jan Ijäs)
Prémio Silvestre Curta-Metragem
A Abadia de Thelema, na Sicília, foi uma pequena casa usada, nos anos 1920, para rituais mágicos por Aleister Crowley, o famoso ocultista com ligação a Fernando Pessoa, e os seus seguidores. Anos mais tarde, o realizador experimental Kenneth Anger e o sexólogo Alfred Kinsey visitam o local.
A Abadia de Theleme, na Sicília, onde viveu o famoso ocultista Aleister Crowley, também poeta, romancista e pintor, é o cenário para penetrarmos no mundo desta figura do imaginário satânico. A envolvente do edifício serve a imagem e um diário do auto-nomeado “Beast 666” é relatado. Desdobra-se um caderno íntimo com a leitura de um rol de rituais mágicos, insanidades, consumo de drogas, poltergeists, práticas sexuais, poemas viscerais – um verdadeiro espelho de maldades. Mostra-se as ruínas do edifício, o filme adensa-se na forma, abstratiza-se, a sombra inunda o plano e o som adensa o clima obscuro. Um filme inacabado de Kenneth Anger redescobre este universo e perpetua-se a curiosidade de um homem maldito. (Carlota Gonçalves)
Endless Sea (Sam Shainberg)
Prémio Amnistia Internacional
Um dia na vida de uma senhora idosa nova iorquina que precisa dos seus medicamentos é retratado por Sam Shainberg com toda a ansiedade e pressa crónicas que permeiam esta cidade que não dorme, numa demonstração da necessidade de sistemas de saúde universais.
Carol, de 70 anos, começa mais um dia de trabalho precário que a leva a palmilhar as ruas de Nova Iorque, quando descobre que o preço da medicação que toma para o coração duplicou. A partir desse momento, o seu dia vai transformar-se numa correria vertiginosa em busca de uma solução que teima em não surgir, por mais portas a que bata.
Com uma energia que vai beber, em parte, à sua carismática protagonista (Brenda Cullerton), sempre em movimento entre as cores saturadas de uma implacável Nova Iorque, Endless Sea inscreve-se numa certa tradição do realismo social, cru, urgente e com um espírito punk. Iggy Pop (que se ouve a dada altura) empresta o título (e o tom) ao filme, ou não cantasse ele assim: “Oh baby, what a place to be / in the service of the bourgeoisie (…) / This air can’t get much thicker / Oh, the endless sea / Let it wash all over me.” (Cláudia Marques)
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