A Forma Traduzida

 Exposição Individual de João Rolaça inaugura dia 23 de Maio às 18:30 na Galeria Municipal de Montemor-o-Novo

Esta exposição de escultura cerâmica é o resultado da residência artística do artista nas Oficinas da Cerâmica e da Terra/ Oficinas do Convento, durante o passado mês de abril 2015.

A Exposição estará patente até ao dia 12 de Junho de 2015 no seguinte horário:

De terça a sexta – das 9:00 às 12:30 e das 15:00 às 18:00

Sábado – das 15:00 às 18:00

Encerra Domingos e Feriados

 

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“Olhar para baixo é um exercício de memória ou de encontro com o passado, é um olhar arqueológico com intenção de perceber o passado no presente. A terra liga-se portanto às questões do Tempo nas suas múltiplas escalas e ordens de grandeza.

Deste modo, posso corresponder o meu trabalho artístico a uma perspetiva arqueológica, por um lado, enquanto ato de olhar para o chão e para a terra, e por outro, enquanto ato de escavar; procurar um outro tempo, encontrar um outro lugar.

Também me interessa a Cerâmica enquanto tema, talvez por ser um dos vestígios que os arqueólogos mais encontram, por ser uma das maiores portas de entrada para o passado, por ter imagens, formas, coisas que nos transportam para outro tempo, que não vivemos. E, apesar de nem sempre trabalhar o barro para produzir obras, a verdade é que o contacto constante com o material, mesmo quando o faço de uma forma despretensiosa e simples, sempre me interessou e estimulou a pensar e produzir mais trabalho.

O convite para realizar a primeira residência artística nas novas e ampliadas instalações das Oficinas da Cerâmica e da Terra – projeto da Associação Cultural Oficinas do Convento, em Montemor-o-Novo, que integra o já existente Telheiro da Encosta do Castelo, o Laboratório de Terra e o Centro de Investigação Cerâmica – colocou-me nas mãos o barro e a terra enquanto matéria central do trabalho que iria desenvolver para este contexto. Fiz questão que o trabalho produzido fosse exclusivamente feito de terra cozida. Quis que o material e a sua natureza, a sua plasticidade, as suas qualidades, estivessem no centro da questão. Os gestos que apliquei no barro são uma exploração disso. São os movimentos de tocar, amassar, apertar e esticar. Uma pesquisa escultórica que experimenta e analisa o material de que a Terra é feita para imaginar a geologia de outros corpos mais distantes. Optei então por explorar as potencialidades que este espaço oferece; tirar partido das escalas possíveis, do tamanho dos fornos, o comprimento do meu braço, o peso que consigo aguentar.

Comecei a cruzar ideias do que vejo na matéria, o que quero e consigo fazer com ela, com a ideia de ver para além dela, tentar entender algo que não vejo nem me está próximo. Usar a arte para traduzir ideias em formas. Ver coisas que nunca vi. Passar do imaginário para o concreto, o palpável e o físico. Por isso me interessa a escultura, por ser um contacto direto, por se colocar entre mim e a realidade. Uma nova realidade criada para que eu veja.

Neste trabalho, a cerâmica e o barro passaram a media e o gesto arqueológico de olhar para baixo, para um tempo enterrado, foi revertido e passei a olhar para cima, para o espaço aberto e disponível. Interessou-me que desta vez a cerâmica não fosse um veículo para um tempo desconhecido, mas antes para um espaço que, embora incógnito, vislumbro no céu noturno.

O processo de cozedura a lenha das peças envolve uma fisicalidade que nem sempre é possível com outros processos. Isso, para mim, é um gesto do escultor a relacionar-se com o material: transformar uma matéria em outra, aceitar a transformação, a mudança de cor, de volume, de textura. Tirar partido do inesperado, dos pequenos acidentes, da surpresa que o fogo deixa nas peças, para com isso criar um discurso que se liga ao do desenho. Desenhar é colocar-me num ponto em que não sei o que vai acontecer, de surpresa, de fazer para ver. O fumo a atuar sobre as peças cria manchas que dificilmente se controlam. Apenas a experiência permite saber o que pode acontecer com determinado processo, permite antecipar o resultado, mas mesmo assim é uma surpresa. Este corpo de trabalho vive disso, da minha vontade sobre o material, da minha força transformadora, com a vontade própria do fogo em se manifestar. Esta é a minha fase preferida do processo, construir e montar o forno, alimentar o fogo, tirar partido das possibilidades que ele me oferece e aceitar o resultado. É uma fase de descoberta, de criação com os elementos.

Para mim, cerâmica é tradução. É a possibilidade de encontrar um discurso que traduz em matéria e forma concretas o que apenas entendo intuitivamente.”

 

 

 

 

João Rolaça

 

 

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